Mostrando postagens com marcador religião. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador religião. Mostrar todas as postagens

Zelota - A vida e a época de Jesus de Nazaré









Jesus de Nazaré : pacifista moderado ou revolucionário fervoroso ?


la_purificacion_del_templo_roma_el_greco_link
Jesus expulsando os vendilhões (cambistas), episódio conhecido também como limpeza do Templo



Introdução da premiada obra Zelota: A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, escrito pelo iraniano-americano Reza Aslan, procura recuperar os feitos políticos e religiosos do Jesus histórico na Palestina de 2.000 anos atrás. Aslan questiona a imagem de Jesus como um mestre espiritual pacífico, promovida pela Igreja, revelando seu lado militante radical.

É um milagre que saibamos alguma coisa sobre o homem chamado Jesus de Nazaré


O pregador itinerante, vagando de cidade em cidade clamando sobre o fim do mundo e sendo seguido por um bando de maltrapilhos, era uma visão comum no tempo de Jesus – tão comum, de fato, que havia se tornado uma espécie de caricatura entre a elite romana. 

Em uma passagem burlesca sobre uma dessas figuras, o filósofo grego Celso imagina um homem santo judeu perambulando pelos campos da Galileia, gritando para ninguém em particular: “Eu sou Deus, ou o servo de Deus, ou um espírito divino. Mas eu estou chegando, pois o mundo já está em vias de destruição. E em breve tu me verás chegando com o poder dos céus.”


O século I foi uma era de expectativa apocalíptica entre os judeus da Palestina, a designação romana para a vasta extensão de terra que abrange os atuais Estados de Israel/Palestina, bem como grande parte da Jordânia, Síria e Líbano. 

Inúmeros profetas, pregadores e messias caminhavam pela Terra Santa proclamando mensagens do iminente julgamento de Deus. Conhecemos pelo nome muitos desses chamados “falsos messias”. Alguns são até mesmo mencionados no Novo Testamento. O profeta Teudas, segundo o Livro de Atos, tinha quatrocentos discípulos antes de Roma o capturar e lhe cortar a cabeça. Uma figura carismática e misteriosa conhecida apenas como “o Egípcio” levantou um exército de seguidores no deserto, e quase todos foram massacrados pelas tropas romanas. 

Em IV a.C., ano em que a maioria dos estudiosos acredita que Jesus de Nazaré nasceu, um pobre pastor chamado Atronges colocou um diadema na cabeça e coroou-se “rei dos judeus”; ele e seus seguidores foram brutalmente mortos por uma legião de soldados. Outro aspirante messiânico, chamado simplesmente de “o Samaritano”, foi crucificado por Pôncio Pilatos, embora não tivesse levantado nenhum exército e de maneira alguma tivesse desafiado Roma – uma indicação de que as autoridades, sentindo a febre apocalíptica no ar, tinham se tornado extremamente sensíveis a qualquer sinal de sedição. 

Houve Ezequias, chefe dos bandidos, Simão da Pereia, Judas, o Galileu, seu neto Menahem, Simão, filho de Giora, e Simão, filho de Kochba – todos postulantes de ambições messiânicas e todos executados por Roma por isso. 

Acrescente-se a essa lista a seita dos essênios, da qual alguns membros viveram em reclusão no alto do planalto seco de Qumran, na costa noroeste do mar Morto; o partido revolucionário judeu do século I, conhecido como partido zelota, ou zelote*, que ajudou a lançar uma guerra sangrenta contra Roma; e os temíveis bandidos-assassinos a quem os romanos apelidaram de sicários (“homens dos punhais”), e a imagem que emerge da Palestina no século I é a de uma era imersa em energia messiânica.

É difícil enquadrar Jesus de Nazaré em qualquer um dos movimentos político-religiosos conhecidos de seu tempo. Ele era um homem de contradições profundas, um dia pregando uma mensagem de exclusão racial (“Eu fui enviado apenas às ovelhas perdidas de Israel”, Mateus 15:24), no outro, de benevolente universalismo (“Ide e fazei discípulos de todas as nações”, Mateus 28:19); às vezes clamando por paz incondicional (“Bem - aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus”, Mateus 5:9), às vezes promovendo violência e conflitos (“Se tu não tens uma espada, vai vender teu manto e compra uma”, Lucas 22:36).


O problema de situar o Jesus histórico é que, fora do Novo Testamento, não há quase nenhum vestígio do homem que iria alterar de modo permanente o curso da história humana. 

A referência não bíblica mais antiga e mais confiável de Jesus é do historiador judeu Flávio Josefo, do século I (morto em 100 d.C.). Em uma breve passagem na sua obra Antiguidades, Josefo escreve sobre um diabólico sumo sacerdote judeu chamado Ananus que, após a morte do governador romano Festo, condenou ilegalmente um certo “Tiago, irmão de Jesus, o que eles chamam de messias” a apedrejamento por transgressão da lei. A passagem continua relatando o que aconteceu com Ananus após o novo governador, Albino, finalmente chegar a Jerusalém.


Fugaz e indiferente como esta alusão pode ser (a frase “o que eles chamam de messias” é claramente destinada a expressar escárnio), ela, no entanto, contém um enorme significado para todos aqueles que procuram qualquer sinal do Jesus histórico. 

Em uma sociedade sem sobrenomes, um nome comum como Tiago exigia um apelativo específico – lugar de nascimento ou o nome do pai – para distingui-lo de todos os outros homens chamados Tiago perambulando pela Palestina (daí Jesus de Nazaré). Nesse caso, o apelativo de Tiago foi fornecido pela sua ligação fraternal com alguém que Josefo assume ser familiar à sua audiência. A passagem prova não apenas que “Jesus, o que eles chamam de messias” provavelmente existiu, mas que pelo ano de 94 d.C., quando a obra Antiguidades foi escrita, era amplamente reconhecido como o fundador de um movimento novo e duradouro.


É esse movimento, não o seu fundador, que recebe a atenção de historiadores do século II, como Tácito (morto em 118) e Plínio, o Jovem (morto em 113), que mencionam Jesus de Nazaré mas revelam pouco sobre ele além de sua prisão e execução – uma importante nota histórica, como veremos, mas que lança pouca luz sobre os detalhes da vida de Jesus. Somos, portanto, restritos às informações que possam ser obtidas a partir do Novo Testamento.

O primeiro testemunho escrito que temos sobre Jesus de Nazaré vem das epístolas de Paulo, um dos primeiros seguidores de Jesus, que morreu por volta de 66 d.C. (a primeira epístola de Paulo, 1 Tessalônicos, pode ser datada entre 48 e 50 d.C., cerca de duas décadas depois da morte de Jesus).

O problema com Paulo, no entanto, é que ele exibe uma extraordinária falta de interesse pelo Jesus histórico. Apenas três cenas da vida de Jesus são mencionadas em suas epístolas: a Última Ceia (1 Coríntios 11:23-26), a crucificação (1 Coríntios 2:2), e, mais importante para Paulo, a ressurreição, sem a qual, segundo ele, “a nossa pregação é vazia e sua fé é em vão” (1 Coríntios 15:14). Paulo pode ser uma excelente fonte para os interessados na formação inicial do cristianismo, mas é um guia pobre para se descobrir o Jesus histórico.


Isso nos deixa com os evangelhos, que apresentam seu próprio conjunto de problemas. 

Primeiro de tudo, é preciso reconhecer que, com a possível exceção do evangelho de Lucas, nenhum dos evangelhos que temos foi escrito pela pessoa que o nomeia. Isso é verdade para a maioria dos livros do Novo Testamento. 

Tais obras, chamadas pseudoepigráficas – obras atribuídas a um autor específico, mas não escritas por ele -, eram extremamente comuns no mundo antigo e não devem ser, de forma alguma, consideradas falsificações. Nomear um livro em homenagem a alguém era uma forma padrão de refletir as crenças daquela pessoa ou representar sua escola de pensamento. 

Independentemente disso, os evangelhos não são, nem foram, jamais pensados para ser uma documentação histórica da vida de Jesus. Eles não são relatos de testemunhas oculares das palavras e atos de Jesus. Eles são testemunhos de fé compostos por comunidades de fé e escritos muitos anos depois dos acontecimentos que descrevem.

Simplificando, os evangelhos nos dizem sobre Jesus, o Cristo, e não sobre Jesus, o homem.


A teoria mais aceita sobre a formação dos evangelhos, “A teoria das duas fontes”, sustenta que o testemunho de Marcos foi escrito algum tempo depois de 70 d.C., cerca de quatro décadas depois da morte de Jesus. Marcos tinha à disposição um conjunto de tradições orais e talvez um punhado de tradições escritas que haviam sido repassadas pelos primeiros seguidores de Jesus durante anos. 

Ao adicionar uma narrativa cronológica a este amontoado de tradições, Marcos criou um gênero literário totalmente novo chamado evangelho, palavra grega (evangelion) para “boa notícia”. 

Contudo, o evangelho de Marcos é, para muitos cristãos, curto e um tanto insatisfatório. Não há nenhuma narrativa da infância; Jesus simplesmente chega, um dia, às margens do rio Jordão para ser batizado por João Batista. Não há aparições da ressurreição. Jesus é crucificado. Seu corpo é colocado em um sepulcro. Poucos dias depois, o túmulo está vazio. Mesmo os primeiros cristãos ansiavam por mais informações em função da brusca narrativa de Marcos sobre a vida e o ministério de Jesus, por isso coube aos sucessores de Marcos – Mateus e Lucas – aperfeiçoar o texto original.


Duas décadas depois de Marcos, entre 90 e 100 d.C., os autores de Mateus e Lucas, trabalhando de forma independente um do outro e tomando o manuscrito de Marcos por modelo, atualizaram a história do evangelho, adicionando suas próprias e exclusivas tradições, incluindo duas narrativas da infância diferentes e conflitantes e uma série de histórias de ressurreição elaboradas para satisfazer seus leitores cristãos. 

Mateus e Lucas também se basearam no que deve ter sido uma coleção antiga e bastante difundida de ditos de Jesus que os estudiosos têm denominado Q (do alemão Quelle, ou “fonte”). Embora já não tenhamos nenhuma cópia física desse documento, podemos inferir seu conteúdo compilando versos que Mateus e Lucas têm em comum, mas que não aparecem em Marcos.


Juntos, esses três evangelhos, Marcos, Mateus e Lucas, tornaram-se conhecidos como os sinópticos (grego para “vistos juntos”), porque eles mais ou menos apresentam uma narrativa e uma cronologia iguais sobre a vida e o ministério de Jesus, que é muito em desacordo com o quarto evangelho, o de João, que foi provavelmente escrito logo após o fim do século I, entre 100 e 120 d.C.

Estes são, assim, os evangelhos canônicos. Mas eles não são os únicos evangelhos. Temos hoje acesso a uma biblioteca inteira de escrituras não canônicas, escritas principalmente nos séculos II e III, que fornecem uma perspectiva muito diferente sobre a vida de Jesus de Nazaré.

Estas incluem o evangelho de Tomé, o evangelho de Filipe, o Livro Secreto de João, o evangelho de Maria Madalena e uma série de outros chamados “evangelhos gnósticos”, descobertos no alto Egito, perto da cidade de Nag Hammadi, em 945.

Embora eles tenham sido deixados de fora do que se tornaria o Novo Testamento, esses livros são importantes na medida em que demonstram a dramática divergência de opinião que existia sobre quem era Jesus e o que Jesus significava, mesmo entre aqueles que andaram com ele, que compartilharam seu pão e comeram com ele, que ouviram suas palavras e oraram com ele.


No final, há apenas dois fatos históricos efetivos sobre Jesus de Nazaré nos quais podemos realmente confiar: o primeiro é que Jesus foi um judeu que liderou um movimento popular judaico na Palestina no início do século I d.C.; o segundo é que Roma o crucificou por isso.

Por si sós, esses dois fatos não podem fornecer um retrato completo da vida de um homem que viveu há 2 mil anos. Mas quando combinados com tudo o que sabemos sobre a época tumultuada em que Jesus viveu – e graças aos romanos sabemos bastante -, esses dois fatos ajudam a pintar um retrato de Jesus de Nazaré que pode ter mais precisão histórica do que o pintado pelos evangelhos. 

Na verdade, o Jesus que emerge desse exercício histórico – um revolucionário fervoroso arrebatado, como todos os judeus da época o foram, pela agitação política e religiosa da Palestina do século I – tem pouca semelhança com a imagem do manso pastor cultivado pela comunidade cristã primitiva.


Considere o seguinte: a crucificação era uma punição que Roma reservava quase exclusivamente para o crime de sedição. A placa que os romanos colocaram acima da cabeça de Jesus enquanto ele se contorcia de dor – “Rei dos Judeus” – era chamada de titulus, e, apesar da percepção comum, não era para ser sarcástica. 

Todo criminoso que era pendurado em uma cruz recebia uma placa declarando o crime específico pelo qual estava sendo executado. O crime de Jesus, aos olhos de Roma, foi o de buscar o poder político de um rei (ou seja, traição), o mesmo crime pelo qual foram mortos quase todos os outros aspirantes messiânicos da época. 

E Jesus também não morreu sozinho. Os evangelhos afirmam que em ambos os lados de Jesus estavam pendurados homens que, em grego, eram chamados lestai, uma palavra muitas vezes traduzida como “ladrões”, mas que, na verdade, significa “bandidos” e era a designação romana mais comum para um insurreto ou rebelde.


Três rebeldes em uma colina coberta de cruzes, cada cruz com o corpo torturado e ensanguentado de um homem que ousou desafiar a vontade de Roma. Essa imagem por si só deveria lançar dúvidas sobre a interpretação dos evangelhos de Jesus como um homem de paz incondicional quase totalmente isolado das convulsões políticas de seu tempo.

A ideia de que o líder de um movimento messiânico popular pedindo a imposição do “Reino de Deus” – um termo que teria sido entendido, tanto por judeus quanto por gentios, como implicando revolta contra Roma – pudesse ter permanecido sem envolvimento com o fervor revolucionário que atingiu quase todos os judeus na Judeia é simplesmente ridícula.


Por que os escritores dos evangelhos iriam tão longe para amainar o caráter revolucionário da mensagem e do movimento de Jesus

Para responder a essa pergunta, devemos primeiro reconhecer que quase toda história dos evangelhos escrita sobre a vida e a missão de Jesus de Nazaré foi composta após a rebelião judaica contra Roma, em 66 d.C.

Naquele ano, um grupo de rebeldes judeus, estimulado por seu fervor por Deus, levou seus companheiros judeus à rebelião. Milagrosamente, os rebeldes conseguiram libertar a Terra Santa da ocupação romana. Durante quatro anos gloriosos, a cidade de Deus esteve de novo sob controle judaico. 

Então, em 70 d.C., os romanos voltaram. Depois de um breve cerco a Jerusalém, os soldados violaram as muralhas da cidade e desencadearam uma orgia de violência contra seus residentes. Eles massacraram todos em seu caminho, acumulando cadáveres sobre o Monte do Templo. Um rio de sangue corria pelas ruas de paralelepípedos. Quando o massacre foi completado, os soldados atearam fogo ao Templo de Deus. Os incêndios se espalharam para além do Monte do Templo, envolvendo os prados de Jerusalém, as terras cultivadas, as oliveiras. Tudo queimado. 

Tão completa foi a devastação praticada sobre a Cidade Santa que Josefo escreve que nada fora deixado que provasse que Jerusalém já tinha sido habitada. Dezenas de milhares de judeus foram massacrados. O resto foi levado acorrentado para fora da cidade.


O trauma espiritual enfrentado pelos judeus após esse evento catastrófico é difícil de imaginar. Exilados da terra a eles prometida por Deus, forçados a viver como párias entre os pagãos do Império Romano, os rabinos do século II gradual e deliberadamente divorciaram o judaísmo do nacionalismo messiânico radical que tinha iniciado a guerra malfadada com Roma. A Torá substituiu o Templo no centro da vida judaica, e surgiu o judaísmo rabínico.

Os cristãos também sentiram necessidade de se distanciarem do fervor revolucionário que levara ao saque de Jerusalém, não só porque isso permitia à Igreja primitiva afastar a ira de uma Roma profundamente vingativa, mas também porque, tendo a religião judaica se tornado pária, os romanos tinham se transformado no principal alvo de evangelismo da Igreja.

Assim começou o longo processo de transformar Jesus de um nacionalista judeu revolucionário em um líder espiritual pacífico, sem nenhum interesse em qualquer assunto terreno. Esse era um Jesus que os romanos podiam aceitar, e de fato aceitaram três séculos mais tarde, quando o imperador romano Flávio Teodósio (morto em 395) fez do movimento do pregador judeu itinerante a religião oficial do Estado, e nascia o que hoje reconhecemos como o cristianismo ortodoxo.


Este livro é uma tentativa de recuperar, tanto quanto possível, o Jesus da história, o Jesus antes do cristianismo: o revolucionário judeu politicamente consciente que, há 2 mil anos, atravessou o campo galileu reunindo seguidores para um movimento messiânico com o objetivo de estabelecer o Reino de Deus, mas cuja missão fracassou quando – depois de uma entrada provocadora em Jerusalém e um audacioso ataque ao Templo – ele foi preso e executado por Roma pelo crime de sedição.

É também sobre como, após Jesus ter fracassado em estabelecer o Reino de Deus na terra, seus seguidores reinterpretaram não só a missão e a identidade de Jesus, mas também a própria natureza e definição do messias judeu.


Há aqueles que consideram essa tentativa perda de tempo, acreditando que o Jesus da história está irremediavelmente perdido e é impossível de ser recuperado. Longe vão os dias de glória da “busca pelo Jesus histórico”, quando os estudiosos proclamavam confiantes que as ferramentas científicas modernas e a pesquisa histórica nos permitiriam descobrir a verdadeira identidade de Jesus. O verdadeiro Jesus já não importa, argumentam esses estudiosos. Devemos concentrar-nos no único Jesus que é acessível para nós: Jesus, o Cristo.

De fato, escrever uma biografia de Jesus de Nazaré não é como escrever uma biografia de Napoleão Bonaparte. 

A tarefa é um pouco parecida com a montagem de um quebra-cabeça enorme, com apenas algumas das peças na mão; não se tem escolha senão a de preencher o resto do quebra-cabeça baseado na melhor das hipóteses, na mais bem-informada suposição de como a imagem completa deveria ser.

O grande teólogo cristão Rudolf Bultmann gostava de dizer que a busca pelo Jesus histórico é, no fim das contas, uma busca interna. Os estudiosos tendem a ver o Jesus que eles querem ver. Muitas vezes eles veem a si próprios, seu próprio reflexo na imagem que construíram de Jesus.


Mesmo assim, essa melhor e mais bem-informada hipótese pode ser suficiente para, no mínimo, questionar nossas suposições mais básicas a respeito de Jesus de Nazaré

Se expusermos as reivindicações dos evangelhos ao calor de análise histórica, podemos limpar as escrituras de seus floreios literários e teológicos e forjar uma imagem muito mais precisa do Jesus histórico.

De fato, se nos comprometermos a colocar Jesus firmemente dentro do contexto social, religioso e político da época em que ele viveu – uma época marcada por uma persistente revolta contra Roma que iria transformar para sempre a fé e a prática do judaísmo -, então, de certa forma, sua biografia se escreve por si própria.


O Jesus que é revelado nesse processo pode não ser o Jesus que esperamos, e ele certamente não será o Jesus que os cristãos mais modernos reconheceriam. Mas, no final, ele é o único Jesus que podemos acessar por meios históricos.

Todo o resto é uma questão de fé.


Aslan_Zelota_14-10-13_final.indd


* Termo decorrente do grego Zelotes e cristalizado na maior parte das línguas neolatinas como zelota, ainda que seja comum a forma francesa zelote em português. Aqui, optamos por zelota, mais corrente e consolidado no ambiente religioso judaico- cristão e no mundo acadêmico. (N.T.)


Postado no site Outras Palavras em 18/12/2014


Pastora profetiza chegada da igreja na política brasileira ! É preciso termos muito cuidado com o nosso voto ! A política e a igreja não devem se misturar...



Pastores Silas Malafaia e Ana Paula Valadão

Em vídeo [ver abaixo] divulgado no youtube, a pastora Ana Paula Valadão, muito louca, profetiza a chegada da hora da igreja na política brasileira.

“Nós estamos indo para a política brasileira e as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja do Senhor!”, diz Ana Paula Valadão.

Além de pastora, Ana Paula Valadão é cantora e apresentadora gospel. A líder religiosa já vendeu 10 milhões de álbuns.




Postado no site Pragmatismo Político em 08/09/2014

João Paulo II, Santo ? Mais uma vez a Igreja Católica Apostólica Romana se afasta da Cristandade !



Os escândalos que assombram a canonização de João Paulo II

Eduardo Febbro

João Paulo II, o papa que, entre outros horrores, promoveu e encobriu pedófilos e violadores da Igreja, recebeu, ao mesmo tempo em que João XXIII, a canonização.

Para além do espetáculo obsceno montado para esta ocasião, dos milhares de fieis na Praça de São Pedro, dos três satélites suplementares para transmitir o ato, para além da fé de muita gente, a canonização do papa polonês é uma aberração e um ultraje para qualquer cristão do planeta.

Declarar santo a Karol Wojtyla é se esquecer do escandaloso catálogo de pecados terrestres que pesam sobre este papa: amparo dos pedófilos, pactos e acordos com ditaduras assassinas, corrupção, suicídios jamais esclarecidos, associações com a máfia, montagem de um sistema bancário paralelo para financiar as obsessões políticas de João Paulo II – a luta contra o comunismo -, perseguição implacável das correntes progressistas da Igreja, em especial a da América Latina, ou seja, a frondosa e renovadora Teologia da Libertação.

Mas o mundo sucumbiu ao grito de “santo súbito” que reclamava a canonização de um homem que presidiu os destinos da Igreja em seu momento mais infame e corrupto. O papa “viajante”, o papa “amável”, o papa “dos jovens”, era um impostor ortodoxo que deixou desprotegidas as vítimas dos abusos sexuais e os próprios pastores da Igreja quando estes estiveram com suas vidas ameaçadas.

Sua visão e suas necessidades estratégicas sempre se opuseram às humanas. Na trama desta história também há muito sangue, e não só de banqueiros mafiosos como Roberto Calvi ou Michele Sindona, com quem João Paulo II se associou para alimentar com fundos secretos os cofres do IOR (Banco do Vaticano), fundos que serviram para financiar a luta contra o comunismo no leste europeu e contra a Teologia da Libertação na América Latina.

João Paulo II deixou desprotegidos os padres que encarnavam, na América Latina, a opção pelos pobres frente às ditaduras criminosas e seus aliados das burguesias nacionais. 

Em 2011, cinquenta destacados teólogos da Alemanha assinaram uma carta contra a beatificação de João Paulo II por não ter apoiado o arcebispo salvadorenho Óscar Arnulfo Romero, assassinado em 24 de março de 1980 por um comando paramilitar da extrema-direita salvadorenha, enquanto celebrava uma missa.

Romero sim que é e será um santo. O arcebispo enfrentou os militares para pedir-lhes que não assassinassem seu povo, percorreu bairros, zonas castigadas pela repressão e pela violência, defendeu os direitos humanos e os pobres. Em resumo, não esperou que Bergoglio chegasse a Roma para falar de “uma Igreja pobre para os pobres”. Não. Ele a encarnou em sua figura e pagou com sua vida, como tantos outros padres aos quais o Vaticano taxava de marxistas ou comunistas só porque se envolviam em causas sociais.

João Paulo II é um santo impostor que traiu a América Latina e aqueles que, a partir de uma igreja modesta, ousaram dizer não aos assassinos de seus povos. 

Se, no leste europeu, João Paulo II contribuiu para a queda do bloco comunista, na América Latina favoreceu a queda da democracia e a permanência nefasta de ditaduras e sua ideologia apocalíptica. 

Um detalhe atroz se soma à já incontável dívida que o Vaticano tem com a justiça e a verdade: o expediente de beatificação de Óscar Romero segue bloqueado nos meandros políticos da Santa Sé. João Paulo II beatificou Josemaría Escrivá, o polêmico fundador da Opus Dei e um de seus protegidos. Mas deixou Romero de fora, inclusive quando estava com sua vida ameaçada. “Cada vez mais sou um pastor de um país de cadáveres”, costumava dizer Romero.

João Paulo II foi eleito em 1978. No ano seguinte, Monsenhor Romero entregou a ele um informe sobre a espantosa violação dos Direitos Humanos em El Salvador. O papa ignorou o informe e recomendou a Romero que trabalhasse “mais estreitamente com o governo”. Como lembrou à Carta Maior Giacomo Galeazzi, vaticanista de La Stampa e autor de uma magistral investigação, “Wojtyla Secreto”, em “seus 25 anos de pontificado nenhum bispo latinoamericanao ligado à ação social ou à Teologia da Libertação foi nomeado cardeal por João Paulo II”.

A resposta está em uma frase de outro dos mais dignos representantes da “Igreja dos Pobres”, o falecido arcebispo brasileiro Hélder Câmara. “Quando alimentei os pobres me chamaram de santo; mas quando perguntei por que há gente pobre me chamaram de comunista”.

O show universal da canonização já foi lançado. A imprensa branca da Europa tem a memória muito curta e sua cultura do outro é estreita como um corredor de hospital. Todos celebram o grande papa. Ela promoveu à categoria de santo um homem que tem as mãos sujas, que cometeu a infâmia de encobrir violadores de crianças, de beijar ditadores e legitimar com isso o rastro de mortos que deixavam pelo caminho, de negociar benefícios para a máfia, que sacrificou em nome dos interesses de uma parte da Europa a misericórdia e a justiça de outros, entre eles os da América Latina. Estão canonizando um trapaceiro. O cúmulo da esperteza, do erro imemorial.

Em que altar se ajoelharão as vítimas dos abusadores sexuais e das ditaduras? 

Podemos levantar todos juntos um lugar aprazível e justo na memória com as imagens do Padre Múgica ou do Monsenhor Romero para nos reencontrarmos com a beatitude no sentido de quem, por um ideal de justiça e igualdade, enfrentou a morte sem pensar nunca em si mesmo, ou em baixas vantagens humanas.


Você pode ler o artigo completo postado no site Carta Maior em 26/004/2014

 

Oração do Perdão




Encontrei esta linda oração dos nativos havaianos e fiz este vídeo. Dizem que orando por 21 dias consecutivos e fazendo um pedido, este desejo se realizará, se houver merecimento. Espero que gostem !







Cinco filmes polêmicos sobre religião


130829-brian

Ao quebrar tabus, arte instiga sociedade a perceber que nada deve ser inquestionável. Obras sugeridas sofreram boicotes e censuras, mas abriram debates necessários.


Rafael Lopes, do Cinetoscópio

O cinema enquanto expressão artística não poderia jamais fechar os olhos para temas polêmicos. Lembre-se que quando Chaplin te fazia rir enquanto apertava uns parafusos dentro das engrenagens da indústria, denunciava também a exploração do empregado na selvageria das indústrias.

Por essas e outras, o cinema sempre teve consigo o fardo de ao mesmo tempo em que diverte precisa documentar. A câmera vira, então, os olhos de quem enxerga uma situação de uma forma e disserta sobre de uma forma dinâmica, em 24 quadros por segundo.

A arte quebrando tabus tem sido uma das formas da sociedade demonstrar sua reflexão diante de situações que não são discutidas com mais naturalidade. O cinema já fez isso com homossexuais, casos de aborto, reféns das guerras no oriente médio e outros temas. O que será discutido aqui é a religião.

Nesta lista estão 5 filmes que de maneiras distintas oferecem discursos basicamente sobre o mesmo tema: a relação da fé com o ser humano. São 5 exemplos de como o cinema encarou esse assunto que certamente mexe com uma gigantesca parcela da sociedade, onde uns aceitam e outros torcem o nariz.

São filmes que sofreram com tentativas de boicotes, com recepções variadas pelo público mas que principalmente foram corajosos em abrir um debate que muitos se negam por motivos variados, sendo o principal dele a não reflexão de uma verdade que julgam absoluta. São 5 filmes que valem a pena pela sabedoria de tratar o tema com a responsabilidade de na linguagem cinematográfica além de nos entreter, informar.

5 – Dogma


Leia a crítica aqui. Dogma não é de fácil digestão. Pra começar nem todo mundo é fã do humor negro e é justamente esse que impera nesse filme. Mas e qual é o conceito de humor negro?

Muitos dirão ser o humor que trata de assuntos mais polêmicos, do humor que ofende. Trata-se de um humor apelativo, é verdade, mas que no fim das contas sequer chega a ofender.

O diretor Kevin Smith usa de itens básicos à religião cristã para criticar a forma com que as pessoas se apegam a símbolos religiosos e disso se desfazem até das próprias responsabilidades. Tal qual uma cena em que um anjo convence um cristão a ser ateu, Smith discute a dualidade do ser humano diante das próprias crenças, tal qual a escolha de levar uma vida dentro dos princípios religiosos com medo de ir para o inferno se logo em seguida fará alguma besteira fora desses princípios pensando ser perdoado só por se arrepender.

Dogma discursa muito bem sobre essa hipocrisia, o que rende momentos brilhantes dentro da trama e faz concluir que não se trata de um humor negro. Está mais para o bom e velho humor crítico que ninguém gosta porque a carapuça serve.

4 – A Vida de Brian


Leia a crítica aqui. Num debate na TV inglesa, John Cleese discutia com representantes religiosos sobre o “teor de blasfêmia” que seu novo filme tinha. Cleese em uma resposta quebrou os dois líderes religiosos, que o sabatinavam de maneira vergonhosamente tendenciosa, tentando colocar os Monty Python contra o público. Cleese questionou sobre a fé dos mesmos quando levantou a questão de que se um filme abala a fé de alguém é porque tem alguma coisa errada com a fé desse alguém.

E essa situação que John Cleese viveu na TV é um dos temas relacionados à religião que A Vida de Brian discute. O filme narra a história do pobre Brian, que quando menos espera é considerado santo, mas não passa de um ser humano comum.

A pretensão do filme não é recontar a história de Jesus às avessas, mas sim criticar a chuva de falsos profetas e charlatões que usam de uma retórica afiada (e muito eficiente) para pastorar as ovelhinhas, bem como os líderes fizeram com o Monty Python quando publicamente tocaram o zaralho para ver A Vida de Brian banido dos cinemas (ou como no programa onde acontecia o debate citado acima, faziam perguntas que mais se preocupavam em colocar o público contra os caras do que realmente chegar a algum entendimento sobre o assunto).

3 – Jesus Camp


Esse polêmico documentário abre espaço para um debate delicado acerca da influencia religiosa sobre os grandes líderes políticos e sobre os ensinamentos das doutrinas religiosas praticamente por meio da tortura.

O filme conta a experiencias de crianças em um acampamento onde simplesmente aprendem a ser fanáticos religiosos, onde o que mais querem na vida é ser um próximo Billy Graham (famoso líder religioso que fez muito sucesso na TV e ainda foi conselheiro espiritual de muitos presidentes americanos, incluindo Nixon, com quem teve um acalorado papo anti semita uma vez), onde o “real” objetivo de sua estadia lá era “recuperar, em nome de Cristo, os EUA”.

Segundo a produtora Rachel Grady ”O documentário é muito profissional e informativo. A temática é real, e tem que ser conhecida pelo mundo” e acrescentou que “o governo deveria se separar da igreja”. Sim, as decisões políticas não precisam necessariamente ter nenhuma relação com religião.

É por isso que temas polêmicos e de real necessidade de a sociedade debater (como aborto, casamento homossexual ou liberação das drogas) não saem do estado estagnado em que se encontram porque desde cedo as crianças estão aprendendo o lado errado da fé.

O fanatismo não é o caminho, não existe verdade absoluta e o tratamento às crianças é realmente questionável. Seria a educação correta? Tire suas conclusões, veja o filme clicando AQUI.

2 – A Última Tentação de Cristo


E se Jesus Cristo tivesse levado uma vida como uma pessoa normal? E se ele tivesse aberto mão de ser o salvador da humanidade para viver como um homem?

A Última Tentação de Cristo é sem dúvida um dos filmes mais polêmicos comandados por Martin Scorsese na mesma proporção de ser um de seus momentos mais brilhantes como diretor.

O filme, baseado no livro do grego Níkos Kazantzákis, é uma dura reflexão a qual todo cristão se nega a imaginar. Será que em algum momento de sua vida, Cristo temeu seu destino? O filme reconta os eventos narrados pela bíblia sob um olhar humano e delicado sobre como Jesus reagiria ao seu destino messiânico. E se seguisse outro caminho?

As personagens da história ganham uma personalidade humanizada, dando à roupagem que o filme se propõe ainda mais autenticidade, e isso incomodou muita gente. O que essa muita gente não viu foi que o filme tenta a todo custo resgatar nas pessoas a compreensão da crença.

É um filme que busca explicar dentro do que é relatado na bíblia a capacidade da interpretação de seu significado e não somente crer naquilo como sendo uma verdade absoluta.

Diante do rebuliço causado pela obra (e de muita gente que ainda torce o nariz com relação a essa obra prima), cito a resposta de Kazantzákis: “Vocês me amaldiçoaram, pais sagrados, eu dou a vocês uma benção: possam as suas consciências ser tão claras quanto a minha e possam vocês ser tão morais e religiosos quanto eu”.

1 – Luz de Inverno


Leia a crítica aqui. Luz de Inverno é o mais perto que o cinema chegou de encontrar uma resposta para os mistérios da fé. Crer ou não crer? Como fazer isso num momento crítico, onde a humanidade parece não ter salvação? Fim dos tempos? Não, é dúvida na fé. 

O padre que questiona a própria fé é a forma que Ingmar Bergman encontrou para interpretar um dos maiores mistérios da humanidade. De onde vem o conceito de fé e de que maneira ela blinda o ser humano de seus temores são os assuntos mais intensos, retratados de maneira intimista e esclarecedora por um dos mais brilhantes cineastas da história. 

O tema tratado com certa audácia, em tempos em que turbulências diplomáticas ameaçavam a mais bela criação divina, nosso mundo, constrói com impressionante maturidade algo que deveria ficar como mensagem universal: fé é muito diferente de religião. 

Acreditar nessa fé é o caminho mais seguro do que seguir doutrinas interpretativas que em muitas vezes desviam da própria proposta. É reinterpretar o primeiro mandamento, tendo em mente a liberdade e o livre arbítrio (garantidos por Deus na bíblia) dessa crença se revelar da maneira que for, mas se revelando.

Postado no site Outras Palavras em 29/08/2013

Ouviu falar destas Marias?





Silvana Barbara

Nesta semana da Páscoa é muito comum a atenção maior dada a Jesus Cristo, o protagonista, por assim dizer, da chamada Semana Santa. São nestes dias que os(as) cristãos(ãs) se lembram com mais veemência sobre sua vida e morte. Porém, existiram personagens muito importantes que fizeram parte da vida de Cristo, e que não recebem a devida alusão nesta época. 

Tratam-se das mulheres que participaram da história de Jesus, as quais os Evangelhos Canônicos encobrem o que elas realmente foram e como contribuíram para divulgar a voz feminina, nos tempos em que as mulheres eram ainda mais inferiorizadas. Este post irá tratar das duas mulheres que fizeram parte da vida de Cristo com mais proximidade, as quais são Maria (sua mãe) e Maria Madalena.

Diferente dos Evangelhos Canônicos, que formam a base da Igreja Romana, os Evangelhos Apócrifos ou Gnósticos apresentam conteúdo e ensinamentos mais voltados para a importância do conhecimento e o lado humanizado das pessoas, inclusive de Jesus Cristo, que é apresentado como um homem mais revolucionário. 

São também nesta perspectiva que aparecem as duas mulheres mencionadas. Estas são dotadas de uma importante liderança, o que causava até mesmo uma certa inveja vinda dos apóstolos de Cristo.

Os Evangelhos Apócrifos são livros que não fazem parte do Cânon da Bíblia, mas que apareceram em paralelo com estas Escrituras.

Foram ocultados pela Igreja Romana por apresentarem ideais gnósticos, considerados como hereges. As Escrituras Apócrifas foram encontradas no ano de 1945, em Nag Hamadi, contando mais de 1950 anos.

Serão aqui destacadas algumas características de Maria, a mãe de Jesus, e Maria Madalena, baseadas na leitura do conteúdo dos Apócrifos que relatam sobre a vida destas mulheres.

Keisha Castle-Hughes no filme “The Nativity History” (2006).

Maria (a mãe de Jesus)

Deixando de lado o fato de Maria, a mãe de Jesus Cristo, ser uma mulher lutadora, os Evangelhos Canônicos a apresentam como uma passiva mãe, que ficava observando as ações de seu filho apenas como auxiliadora. Mas, pelos Apócrifos, Maria teve uma presença muito mais importante na vida de Cristo.

Maria exercia liderança na época, até mesmo sobre os apóstolos de Cristo. Era muito admirada e respeitada no templo pelos sacerdotes, algo que pode ser considerado bastante evoluído para aqueles tempos.

Desde muito jovem, Maria foi uma mulher à frente de seu tempo. Rejeitava casamentos, estudava (inclusive a Torá, livro sobre leis e conduta). Ela se opunha aos padrões e modo de vida imposto às mulheres pela sociedade. Além de estudar muito, era questionadora e não aceitava tudo que lhe diziam sem fazer alguma crítica. 

Vale lembrar que, se ainda hoje o sistema não aceita uma mulher à frente das decisões, na época de Maria era quase impossível, diante da soberania existente dos homens cristãos. Pelos Evangelhos Apócrifos, só poderia ser esta mulher determinada, que enfrentou muitos preconceitos, a mãe do homem que iria revolucionar o mundo.

Maria competia a liderança com homens, mas a subestimação a ela infiltrada pelos Evangelhos Canônicos, a coloca em um papel de apenas intercessora.

A relação de Maria com Jesus também é pouca explorada na Bíblia de Cânon. Neste livro, esta mulher é exaltada como a mãe de todos os cristãos, mas mostra poucas conversas entre mãe e filho. Alguns filmes sobre a vida de Cristo apresentam Maria como uma mulher que sentia a falta de seu filho ao seu lado, pois ele vivia na peregrinação. Por vezes, ela aparece até mesmo temerosa com o que possa acontecer com ele, como é o caso do filme “Maria, Filha de seu Filho”.

Já nos Evangelhos Apócrifos, há mais diálogos entre mãe e filho, dando inclusive a entender que eles se entendiam muito bem. 

Nestes Evangelhos, Jesus escuta mais sua mãe, revelando a importância dela em sua vida. Nos Canônicos, Cristo a trata com inferioridade, pois, na condição de mulher, não entende das ações para propagar as chamadas “Boas Novas”. Também se destaca a imagem de Maria como passiva e submissa, propagada pela Igreja.

Nos livros Apócrifos, a educação de Jesus era de responsabilidade somente de Maria. José, seu marido, não tinha a liderança, e era ela que tomava as rédeas.

A Maria, mulher líder e lutadora, precisa ser mais divulgada nas religiões. Infelizmente, o machismo da Igreja baniu da história esta imagem de uma mulher forte, que se igualava aos homens e se destacava na liderança.

Maria Madalena

Maria Madalena, pelos Apócrifos, foi a mulher que Cristo amou tanto a ponto de a ela informar sobre fatos e conhecimentos não revelados aos apóstolos.

Madalena falava aos apóstolos, com liderança, o que Jesus ocultava a eles. Por inveja, e se sentindo inferiores por Cristo fazer importantes revelações a uma mulher, os apóstolos duvidavam das palavras de Madalena.

Em trechos de seus Evangelhos, André e Pedro demonstram repúdio ao fato de Jesus, segundo eles, confiar mais em uma mulher no que neles.

Monica Bellucci como Maria Madalena no filme “A Paixão de Cristo” (2004).

Além da mulher muito amada por Cristo, pelos Apócrifos, Maria Madalena também foi uma liderança feminina, fato que ameaçava os apóstolos. Isto demonstra que Cristo valorizava a imagem das mulheres como lutadoras e líderes, diferente de como é mostrado na Bíblia.

E mais, os Apócrifos até mesmo questionam o fato de que Madalena foi realmente uma prostituta. Sabe-se que muitas mulheres, por sua independência e a maneira de como não se submetiam aos homens, eram consideradas prostitutas para que fossem esquecidas da história.

Na relação de Madalena com Jesus, nas Escrituras Apócrifas, ele é mostrado como mais humano, mais homem e menos santo, no sentido literal da palavra, o que a Igreja geralmente renega.

Madalena não era somente a companheira que escutava o que Jesus tinha a dizer. Ela acompanhava-o em suas andanças, ajudando a propagar uma nova revolução, as “Boas Novas”.

Segundo consta nos Apócrifos, Pedro era o apóstolo que mais se incomodava com a presença de Maria Madalena entre os homens que seguiam a Cristo. 

Sua intolerância a ela era tanta que chegou a pedir a Cristo para expulsá-la do grupo. Para Pedro, o fato daquela mulher tomar a palavra e não deixar espaço para os apóstolos, era um atrapalho. Madalena tinha muitos conhecimentos, sendo que estes formam a base do Gnosticismo, seita muito combatida pela Igreja.

Outro fato muito importante sobre Maria Madalena, é o de que na história ela não está relacionada com nenhum homem, ou seja, não é esposa, irmã ou filha. Trata-se de uma independência bastante curiosa para uma época em que dominava a supremacia masculina.

Madalena não é citada em livros importantes da Bíblia, como os Atos dos Apóstolos e o Apocalipse. Isto indica que a presença de uma liderança feminina não era aceitável naquela sociedade patriarcal.

Jesus Cristo falava com Madalena sobre assuntos que, segundo ele mesmo diz, os apóstolos não entenderiam. Desta forma, tornou-se mais “viável” para o cristianismo apagar a imagem e existência de Madalena. Afinal, era um absurdo uma mulher ter mais espaço do que os homens. Então ela simplesmente desapareceu.

Ao contrário do que se observa na Bíblia do Cânon, a que a Igreja permitiu divulgar e está nos lares da maioria das famílias brasileiras, os Escritos Apócrifos reservam um espaço feminino em suas histórias. 

Muitas mulheres que se destacaram nos chamados Velho e Novo Testamento, caíram no ostracismo, pois não é interessante para a Igreja mostrar mulheres determinadas, lutadoras, que faziam questão de mostrar que estavam ali em igualdade com os homens. Inclusive muitas foram líderes muito mais eficazes, mas que ficaram no esquecimento.

O fato é que não se evolui. Os Evangelhos Apócrifos deveriam estar nas religiões que pregam o cristianismo, serem comentados, analisados e debatidos nas missas, incorporados em grupos de jovens e de orações, e divulgado amplamente. 

Mas isto não acontece porque as forças adquiridas pelas mulheres incomodam e, em religiões onde elas não ocupam determinadas posições, seria um risco causar uma perigosa revolução feminina e desbancar o patriarcado ainda existente.

* As referências sobre os Evangelhos Apócrifos são dos livros: Evangelhos Apócrifos (2007) e Apócrifos e Pseudo-Epígrafes (2004).

Postado no Blogueiras Feministas em 28/03/2013


O papa e os filhos de si mesmo




Mauro Santayana

É significativo que o novo papa tenha falado tanto em perdão. 

Essa insistência coloca em dúvida a defesa que dele fazem diante das acusações de que teria colaborado com o regime militar argentino e com o sequestro de filhos dos militantes de esquerda, feitos prisioneiros uns e assassinados outros. 

Essas crianças, das quais roubaram a identidade, foram entregues a casais ligados ao sistema. Esse mesmo crime, com a hipócrita justificativa da caridade, foi também praticado pelos bispos espanhóis da Opus dei, durante o franquismo. Ao não conhecerem sua verdadeira origem, as vítimas dos sequestros se tornam filhos de si mesmos. 

Renegam, e com razão, os que os adotaram, e não têm onde ancorar o seu afeto. 

Qualquer seja a verdade, o papa foi eleito conforme as regras tradicionais, e não há poder na Terra que o destitua. 

As leis canônicas não preveem o impeachment do bispo de Roma. 

Resta esperar que o novo pontífice – título vindo do sincretismo do catolicismo com o paganismo romano – erga realmente uma ponte entre o cristianismo primitivo, que era dos pobres, e o mundo moderno. 

Se isso ocorrer, os seus pecados, se os houve, esmaecerão, e ele cumprirá o seu dever de católico e de cristão. O perdão, ele só poderá obter de sua própria consciência, onde Deus costuma habitar, se nela houver lugar para essa presença.

O mais importante não é o passado do Papa. Depois de Pio XII, Wojtyla e Ratzinger, de nítidos laços com os poderosos deste mundo, o que os verdadeiros cristãos esperam do Papa é que ele seja fiel ao Evangelho e conduza a Igreja ao reencontro com o homem de Nazaré que, em sua vida, martírio e morte, encarnou toda a fragilidade da espécie humana. 

A grande lição de Cristo, que a Igreja nunca assumiu, é a de que a vida só é alegria e paz na solidariedade para com os nossos semelhantes.

Quando dividimos as dores do sofrimento alheio, as nossas próprias dores se aliviam, e o trânsito por este “vale de lágrimas” se faz mais suportável. 

 A Igreja se associou aos poderosos de cada tempo e, como lhe era conveniente, manteve instituições de caridade. 

Como alguns ricos, ela consolou sua consciência com a esmola. Os primeiros a receber o título de santos foram homens poderosos, que compraram a santidade com as sobras de suas riquezas.

Ao escolher o nome de Francisco, e de confirmar que buscava no poverello de Assis a inspiração de seu pontificado, Bergoglio dá um sinal importante de seu propósito, ou de sua astúcia.

Não sabemos se, sendo sincero, ele será capaz de escapar ao acosso conservador e oportunista da Cúria Romana. 

Cabe-lhe, na hipótese da sinceridade – como chefe de uma instituição política – por mais herege pareça o conselho, seguir a orientação de Maquiavel, e agir com maior energia logo no início, a fim de preservar o principado conquistado. 

Isso significa reformar, de alto abaixo, a administração do Vaticano, com a convocação de prelados do mundo inteiro, de forma a conter o apetite de poder do clero italiano, identificado com a história peninsular, construída nas conhecidas intrigas políticas europeias. 

Os grandes líderes se legitimam na ação. Forma-se, até mesmo alimentado de esperança, o consenso de que a Igreja terá que demolir seus alicerces milaneses e retornar às catacumbas romanas, para que possa sobreviver.

Seus pecados repetidos, da simonia à luxúria, não a levaram ao Inferno, ainda que muitos de seus dirigentes tenham lá chegado, na visão profética de Dante. 

É da teologia prática que a contrição absolve os pecadores. 

Se Francisco conduzi-la ao caminho de Damasco, é possível que, como Paulo, ela se desfaça da cegueira voluntária e atenda ao chamado de Cristo. 

É possível, mas pouco provável.


Postado no blog Conversa Afiada em 20/03/2013



Dom Bergoglio e Dom Paulo



Cardeal Dom Paulo


Paulo Moreira Leite - Isto É


Um número grande de leitores do blogue tem escrito para reclamar de meus textos sobre o novo Papa.

A queixa mais recente envolve uma citação. Em nota recente, defini o jornalista Horácio Verbitsky como uma das grandes autoridades sobre direitos humanos na Argentina. 

Os leitores escrevem para lembrar que Verbitsky participou do grupo armado Montoneros, que cometeu sequestros e até execuções de inimigos durante o regime militar.

Lembro a nossos amigos que a vida de todo mundo é feita de contradições. Mesmo aqueles homens que os católicos descrevem como Santos não tiveram uma existência em linha reta, certo?

Verbitsky participou de uma organização armada e não acho que, nas circunstâncias daquele tempo, isso seja necessariamente vergonhoso. Pode ser honroso, conforme o ponto de vista de tantos argentinos. O debate não é este, porém.

Mais tarde, dedicou-se a pesquisar e investigar o que se passou naquele período. E foi nessa atividade que demonstrou um rigor fora do comum. Seus livros sobre o período militar são obras únicas pela disposição de investigar e analisar rigor uma situação bastante complexa. 


É impossível entender a Argentina dos anos 80 sem ler o que escreveu sobre a guerra suja, os conflitos internos do peronismo e o regime dos generais.

Isso aconteceu em outros países. No Brasil, antigos militantes da luta armada participaram das pesquisas e da redação do livro Brasil Nunca Mais.


Isso não impediu que o livro fosse referência mundial em pesquisas sobre violações de direitos humanos.

A reação diante de meus elogios ao trabalho de Verbitsky, ajuda a lembrar que todos temos um passado e é preciso lidar com ele.


E é aí que o debate sobre a atuação de José Mario Bergoglio faz sentido.

Depois da denuncia de Verbitsky, o Premio Nobel Adolfo Perez Esquivel tentou encontrar um conceito para definir a atuação do então bispo Bergoglio naquele período. Disse que ele não fora cúmplice dos militares e que apenas não havia demonstrado “coragem” na luta por direitos humanos, naquele momento.

Foi o que bastou para que as denúncias de Verbitsky, que citou o caso de dois jesuítas que Bergoglio teria se recusado a proteger em hora de perigoso, fossem tratadas como “difamação” por seus aliados. Vamos com calma.

Ainda que o conceito de Esquivel seja o mais adequado, a constatação de que um bispo não demonstrou “coragem” diante de um governo capaz de produzir 30.000 mortos, sequestrar mulheres grávidas e crianças me parece grave o suficiente para discutir sua liderança para defender os fracos e indefesos em horas difíceis. 


Este ponto é importante. A atuação da Igreja argentina no período militar foi tão vergonhosa que mais tarde ela chegou a pedir desculpas a população pelo apoio ao regime, o que dá uma ideia do sentimento de repulsa de boa parte dos argentinos pelo comportamento de tantos padres e bispos naquela época. 


Falta de coragem pode ser eufemismo para muitas atitudes, nós sabemos.

Mas não é um conceito que cabe a Igreja brasileira no mesmo período.

Embora o regime de 64 tenha sido abençoado pela cúpula da Igreja, nos anos seguintes ela se tornou abrigo de boa parte das ações de oposição e resistência. Procure nas oposições sindicais e nas lideranças populares daquela época. Vai ser muito comum encontrar pessoas que, de uma forma ou de outra, tinham ligações com a luta social da Igreja.

Entre várias lideranças, poucas se destacaram como o Arcebispo de São Paulo, Paulo Evaristo Arns. Quinze anos mais velho do que Bergoglio, dom Paulo viveu um mesmo período mas atuou de forma oposta. 


Seu comportamento foi exemplar em momentos decisivos.

Realizou uma missa pela morte do estudante Alexandre Vannuchi Leme, em 1973 e, dois anos depois, fez o culto ecumênico em função do assassinato do jornalista Vladimir Herzog. Criou uma comissão para investigar crimes contra direitos humanos e desafiou a ditadura ao denunciar a situação brasileira durante visita de Jimmy Carter ao país. 


Dom Paulo também estimulou a defesa de direitos humanos em países vizinhos, denunciando a cooperação entre as ditaduras para perseguir adversários.

No fim da ditadura argentina, o mal-estar em torno de Bergoglio era tão grande que um dos jesuítas mencionados por Verbitsky, a quem não teria prestado ajuda na hora devida, reconciliou-se com ele. Ou seja, deu-lhe perdão.


Embora não lhe tivesse faltado coragem, Dom Paulo não foi perdoado pela valentia.

Na mudança política promovida a partir da posse de João Paulo II, sua diocese foi dividida, seus poderes foram diminuídos e os aliados foram encostados. 


Sob aplauso das fatias mais conservadores, vozes ligadas a resistência foram silenciadas, num processo dirigido pessoalmente por Joseph Ratzinger.

Se alguém quisesse contar a história como ela foi, e não como gostaríamos que tivesse ocorrido, é possível dizer que, com sua “falta de coragem” o bispo Bergoglio adivinhou o rumo que o Vaticano iria seguir nos anos seguintes.

Já a valentia de Dom Paulo trouxe a admiração de tantos brasileiros, católicos ou não. Não lhe trouxe, contudo, as honrarias do sistema que transformou Bergoglio em Papa.


Curioso, não?


Postado, também, no blog O Esquerdopata em 17/03/2013
Trechos grifados por mim
Imagem inserida por mim