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Silicone-bomba, um problema para levar no peito


Nada menos do que 12,5 mil mulheres no Brasil colocaram próteses de silicone da fabricante francesa PIP e outras 7 mil da holandesa Rofil.
O material utilizado pelas empresas é de baixa qualidade, semelhante ao do tipo industrial. As substâncias presentes são potencialmente tóxicas, a prótese tende a romper mais cedo do que as de alta qualidade. Com isso, infiltram-se em músculos, gânglios linfáticos, nervos e glândulas mamárias. Extravasando, leva a inflamações, infecções e nódulos.
Os países que utilizavam próteses dessas marcas anunciaram recall, a notícia repercutiu e, depois de uma leve esperneada das autoridades de Saúde, o Brasil entrou na roda. A própria presidente Dilma determinou na última quarta-feira, 11 de janeiro, que tanto o SUS quanto os planos de saúde devem pagar a troca das próteses rompidas, não importando se o implante foi por indicação clínica, nos casos de reparação à cirurgia mutiladora das mamas, ou por estética para aumentar os seios.
A troca não será feita a pedido para aquelas que portam os silicones das marcas PIP e Rofil se o implante estiver em bom estado ou apenas fragilizado, mas será garantido um acompanhamento às mulheres que portam os modelos de silicone-bomba. Haja coração, coragem e estabilidade emocional para suportar a tensão de portar um silicone desses.
Utilizados como indicação clínica para melhorar a estética após a mastectomia, os implantes de silicone abriram mercado farto na indústria da cirurgia plástica exclusivamente estética com apoio do business da moda popular no mundo inteiro. A partir de uma campanha muito bem elaborada, os seios pequenos foram extintos do mercado da moda junto com as roupas adequadas às mulheres que não se submeteram ao novo paradigma de corpo feminino. O padrão ideal de beleza que emergiu nos anos 1990, com o boom das próteses, é uma mulher magra, alta, peituda e bunduda. As roupas já vêm prontas nas lojas para os seios avantajados. Para atenuar o “problema” das que não aderiram às plásticas, abundam as lingeries com falsos peitos e falsas bundas de espuma. Mas esse é definitivamente um problema menor. A aparência é apenas visual e não cirúrgica. A mulher sem roupa continua sendo ela mesma.
A reflexão pertinente, diante do caso de saúde pública mundial envolvendo as próteses de silicone, é a banalização das cirurgias plásticas essencialmente estéticas e seus critérios, ou melhor, a falta deles.
Ficaram tão frouxos esses critérios, que agora temos aí uma vastidão de mulheres portando próteses de silicone suscetíveis de rompimento. São mulheres de todas as idades, inclusive adolescentes.
Mocinhas de 15 anos podem colocar silicone no Brasil, assim como qualquer senhora de 50 ou 60 anos, o que vem ocorrendo em larga escala.
A cirurgia para implantação de silicone contou desde seus primórdios com o apoio promocional da mídia. Programas como Dr Hollywood, um reality show que mescla a vida pessoal e profissional do cirurgião, fazem enorme sucesso. http://www.youtube.com/watch?v=HmnZKQdHVSY
Outros cirurgiões plásticos, como o Dr. Marcelo Assis, fazem questão de fazer o marketing pró-silicone em programas de entrevista, com um tom mais sério. Ele chega a afirmar que a prótese facilitaria a prevenção do câncer de mama.
Em 20 anos de moda médica para implantes de silicone, foram cinco gerações em próteses, sempre com apoio maciço do mercado médico via mídia. Novas técnicas cirúrgicas também surgiram para responder aos problemas enfrentados pelas mulheres com as primeiras próteses, que atrapalhavam a amamentação. Criou-se uma nova cultura, baseada em fins comerciais, que unificou a autoestima com o tamanho dos seios. Nem as lolitas ficaram de fora.
A adolescência, período de nossas vidas que sempre foi marcado por questionamentos, justamente porque é uma fase em que o corpo começa a ganhar formas diferentes, não costuma ser fácil para 9 entre 10 meninas e meninos. Sempre coube aos pais, família e escola, desenvolver em bases sólidas a autoestima do adolescente, ajudando-o a entender que a pessoa existe pelo que é, não pelo que aparenta ser, que somos únicos entre bilhões e que há em nós muitas particularidades. Cinema, literatura, gosto pelos estudos, música, esportes, artes em geral sempre ajudaram os adolescentes a ultrapassar as inseguranças dos primeiros anos dessa fase.
Um longo processo de amadurecimento e descoberta da sexualidade, que envolve hormônios, músculos e processos de raciocínio reflexivo, não sem a dor e o prazer das singularidades, acabou sendo direcionado para uma urgência de ser o que o mercado exige que sejamos já em tenra idade. Aos 15 anos, aos primeiros sinais desse processo, já estão as adolescentes sendo incentivadas e autorizados a prestar contas de aparências consideradas ideais por meio de cirurgias estéticas.
Um levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica em que foram ouvidos 3 533 médicos associados revelou que, dos 629 mil procedimentos cirúrgicos estéticos feitos entre setembro de 2007 e agosto de 2008, 37,7 mil foram efetuados em adolescentes. O próprio presidente da SBCP, Sebastião Guerra, revela que colocou próteses em 8 garotas de 15 anos em três anos de atendimento. Apontar na direção da insegurança natural dos adolescentes éacertar em alvo fácil.
A adolescência não é a única fase de nossas vidas em que surgem sentimentos de insegurança em relação à aparência. A cada nova etapa de transformação hormonal ou de experiências desestabilizadoras, fracassos e fragilidades, o cérebro reage e vivemos sentimentos de inadequação. A medicina da cirurgia plástica está aí para usar o bisturi sem considerar o que se pode fazer de mais efetivamente eficiente de dentro para fora.
Hoje é raro encontrar uma jovem mãe de 30 anos que não sonhe em colocar uma prótese de silicone para tentar reaver, ainda que com cicatriz e talvez falta de sensibilidade, os seios juvenis.
É claro que há uma modificação estética, sempre houve e todas as mulheres desde que o mundo é mundo percebiam essas mudanças. Mesmo as que não são mães e não amamentam experimentam no próprio corpo a flacidez do tecido mamário.
A urgência, esse desespero em massa para adquirir um seio de silicone, precisa ser revista com mais calma por mulheres e por homens, por toda a sociedade. Principalmente podemos examinar com mais acuidade os argumentos chulos que nos levam a deixar uma filha adolescente colocar uma prótese num corpo sadio em desenvolvimento.
Afirma-se levianamente no universo das plásticas cirúrgicas que uma boa aparência resolve problemas de autoestima. Boa aparência, ótima aparência, aparência ideal, formal, clean, bicho-grilo, aparência de grife e todas as formas de aparência têm a ver com vaidade, não com autoestima, que é outra coisa bem diferente.
Sim, envaidecer-se, enfeitar-se, em todo e qualquer grau e para todos os gostos, nos leva a um sentimento de bem-estar, superficial e passageiro como um final de festa.
Não se sabe de que pele literária tiraram esses doutores que mexer nas profundezas da aparência, com cortes e costuras, resolve problemas de autoestima.
Autoestima sempre foi e sempre será uma sensação interna de se saber singular, uma questão de conteúdo, utilidade, conexão com as singularidades dos outros e do mundo. Autoestima tem a ver com sentimentos e pensamentos que se tornam ação. Essa ligação direta entre seio de silicone e autoestima das mulheres é uma balela que precisamos enfrentar com um pouquinho mais de profundidade.
Confundir investimento em vaidade com investimento em autoestima é o mesmo que afirmar ser possível matar a fome de alguém com a foto de um prato de comida.
É espantoso também o número de senhoras de 50 anos que coloca silicone. Frases como “esses seios flácidos não me pertencem” vagam por aí.
O que será mais que deixamos de realizar na vida para chegar aos 50 anos em busca de um peitão empinado?
O que buscamos de fato nessa luta incessante contra os sinais da maturidade não seria a essência de uma autoestima que jamais foi trabalhada, mas confundida com investimentos em vaidade?
O que amamos nos outros e em nós mesmos ficou assim tão menor que só a mudança de aparência resolve?
É emblemático que o medo do câncer, recheado de exames preventivos, não surja quando as mulheres resolvem se submeter apenas por uma questão estética a essa cirurgia, que de delicada não tem nada.
Cláudia Rodrigues, jornalista, terapeuta reichiana, autora de Bebês de Mamães mais que Perfeitas, 2008. Centauro Editora. Blog: Buenaleche.

Postado no Blog Sul21 em 14/01/2012