A lição democrática aos procuradores do Rio de Janeiro





A lição democrática aos procuradores da República do Rio 


Marcelo Auler
“A ocupação de escolas, e já também de faculdades, não vai cessar, caso o governo não admita que cometeu um ato de autoritarismo, com a imposição de uma alegada “reforma do ensino” sem a discutir sequer com uma das várias partes diretamente envolvidas no assunto“. (Janio de Freitas, em Ocupação de escolas não vai acabar se governo não admitir autoritarismo, Folha de S. Paulo, domingo 06/11)

Na quinta-feira (03/11) indiferente à tentativa do MPF de esvaziar os prédios, alunos do Pedro II decidiram manter a ocupação. Querem fazer valer a opinião deles em um assunto que lhe diz respeito. Isto não é exercício da cidadania? 

O vaticínio de Janio de Freitas em sua coluna, publicada domingo (05/11) na Folha de S. Paulo, deveria servir a alguns membros do Ministério Público, em especial o MPF do Rio de Janeiro, que tentam resolver a questão das ocupações das escolas por jovens estudantes com a força policial.

Caso específico dos procuradores da República Fábio Aragão e Marcelo Muller que recorreram ao Judiciário Federal fluminense na tentativa de desocuparem os prédios do centenário Colégio Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro. 

Como já destacou o JornalGGN em A lição de cidadania do reitor do Pedro II ao Ministério Público Federal, no qual mostra a nota oficial do reitor do Colégio, Oscar Halac – “que vai se tornar um símbolo da resistência cidadã contra os esbirros de procuradores autoritários” – na qual ele deixa claro duas coisas básicas com as quais os procuradores não se preocuparam (veja integra da nota abaixo):
“A garantia de segurança dos estudantes do Colégio Pedro II que, mesmo na condição de ocupantes, são alunos do mais que sesquicentenário educandário”. 
E ainda, entre os estudantes e os adultos raivosos, o reitor tomou posição clara.
“Eu fico com a pureza da resposta das crianças. É a vida, é bonita” (“O que é, o que é” – Luiz Gonzaga Junior). 
Mas, como se não bastasse a lição dada pelo reitor aos dois procuradores da República, trago ao conhecimento dos leitores, e deles, um posicionamento claro e direto sobre a questão, totalmente diverso do que pensam Aragão e Muller. Foi redigido simplesmente por colegas seus que participam do movimento Transforma Ministério Publico

Trata-se de um grupo com 170 membros, do MPF, MPT e MPs dos estados de SP, MG, CE, PR, PE, BA, RJ e DF. A nota deste grupo de promotores e procuradores de todo o Brasil, foi emitida no final de semana. 

Nela, cuja leitura se recomenda, os membros deste coletivo dos MPs estaduais e federal, deixam claro logo no primeiro parágrafo que os jovens estudantes exercem seu direito de cidadania ao defenderam um posição, qual seja, que sejam ouvidos na reforma daquilo que lhes toca diretamente.

“A ocupação dos espaços educacionais que vêm ocorrendo no país são formas de os estudantes se posicionarem frente às políticas públicas e alterações legislativas em debate, e que podem comprometer a qualidade da educação. Seus atos políticos devem ser entendidos, portanto, como exercício dos direitos fundamentais de liberdade de pensamento, de reunião e de manifestação assegurados pela Constituição da República de 1988, no artigo 5º, incisos IV, IX e XVI”.

Tal como Janio de Freitas colocou na sua coluna de domingo, o Transforma MP deixa claro também a questão do autoritarismo do governo, na medida em que não promove o amplo debate necessário, democraticamente.

“A tramitação da Reforma do Ensino Médio por meio da Medida Provisória nº 746/2016 e da Proposta de Emenda à Constituição 55 (antiga PEC 241), que estabelece, para os próximos 20 anos, teto de gastos públicos, inclusive para o setor da Educação, além de outras iniciativas legislativas com impacto na política educacional (planos de educação, leis sobre questões de gênero e Escola sem Partido, por exemplo), sem que haja um amplo debate com a sociedade, são motivos relevantes para que os jovens utilizem recursos de mobilização para serem ouvidos pelo Poder Público. Trata-se de garantir a eficácia da Lei Federal nº 12.852/2012 (Estatuto da Juventude), que estabelece aos jovens o direito público subjetivo de “participação social e política na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude”. (abaixo a integra da nota)



O Coletivo por um Ministério Público Transformador, entidade associativa composta por membros do Ministério Público, pautando-se nos primados da democracia e da cidadania, afirma seu apoio às recentes manifestações políticas dos estudantes brasileiros.


1. A ocupação dos espaços educacionais que vêm ocorrendo no país são formas de os estudantes se posicionarem frente às políticas públicas e alterações legislativas em debate, e que podem comprometer a qualidade da educação. Seus atos políticos devem ser entendidos, portanto, como exercício dos direitos fundamentais de liberdade de pensamento, de reunião e de manifestação assegurados pela Constituição da República de 1988, no artigo 5º, incisos IV, IX e XVI.
2. A tramitação da Reforma do Ensino Médio por meio da Medida Provisória nº 746/2016 e da Proposta de Emenda à Constituição 55 (antiga PEC 241), que estabelece, para os próximos 20 anos, teto de gastos públicos, inclusive para o setor da Educação, além de outras iniciativas legislativas com impacto na política educacional (planos de educação, leis sobre questões de gênero e Escola sem Partido, por exemplo), sem que haja um amplo debate com a sociedade, são motivos relevantes para que os jovens utilizem recursos de mobilização para serem ouvidos pelo Poder Público. Trata- se de garantir a eficácia da Lei Federal nº 12.852/2012 (Estatuto da Juventude), que estabelece aos jovens o direito público subjetivo de “participação social e política na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude”.
3. As ocupações dos espaços educacionais como reivindicação dessa participação são canais legítimos de expressão das inquietações dos estudantes, devendo ser garantida sua segurança, para que se desenvolvam de forma pacífica e pedagógica, com respeito às representações juvenis, associações, entidades estudantis, redes, coletivos e movimentos sociais, cuja legitimidade é expressamente reconhecida nos termos do artigo 5o daquele Estatuto.
4. O movimento de ocupação dos estabelecimentos educacionais, que se iniciou no Estado de São Paulo em 2015 e que vem se espalhando pelo País, atingindo agora vinte Estados e o Distrito Federal, revela o poder político e de organização dos jovens, resultado de uma educação que amplia a visão cidadã, a partir do debate e da informação. Não há dúvida de que há muito a avançar no que diz respeito à qualidade da educação no País, especialmente garantindo maiores oportunidades para as populações mais vulneráveis, razão pela qual não se pode admitir retrocesso nessa seara.
5. O Estatuto da Criança e do Adolescente ampara também o direito de crianças e adolescentes de ir, vir e estar em logradouros públicos e espaços públicos e comunitários, além dos direitos de opinião, expressão e participação na vida política do País (arts.15 e 16 da Lei 8.069/90), assim como diversos tratados internacionais recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro, notadamente a Convenção Internacional sobre direitos das Crianças da ONU.

6. Assim, o atual movimento de ocupação das escolas deve ser compreendido pela sociedade e pelo poder público na perspectiva de um legítimo exercício de direitos fundamentais outorgados pela ordem jurídica às crianças, adolescentes e jovens brasileiros, a serem assegurados com absoluta prioridade pela família, sociedade e Estado, conforme art.227 da Constituição da República.
7. A pretensão de enquadrar as ocupações como atos ilegais, que merecem repressão e ações judiciais de reintegração possessória, nega aos estudantes a possibilidade de reivindicação de seu espaço político de participação, nega suas vozes, seus espíritos e sua cidadania. É evidente que o movimento estudantil não tem por objetivo a tomada da posse de escolas, no sentindo patrimonial. O que a juventude brasileira revela é a necessidade de ocupar suas escolas como espaço de cidadania, de debate político, de consciência crítica e de manifestação de sua subjetividade individual e coletiva.
8. Cabe ao Ministério Público, como defensor do regime democrático, atuar para garantir que a desejada manifestação política de crianças, adolescentes e jovens se dê de forma pacífica, sem violação aos seus direitos, articulando para que haja espaços de diálogo entre os manifestantes e o Poder Público. Deve a instituição utilizar-se de mecanismos resolutivos para que esses os estudantes tenham voz e sejam escutados em suas demandas, interesses e necessidades.
9. Portanto, o Coletivo por um Ministério Público Transformador repudia a repressão às ocupações, com a retirada forçada dos estudantes por meio de aparato policial, notadamente com o uso ilegal de algemas, força excessiva e privação de direitos humanos básicos (corte de luz, água, alimentos, emprego de equipamentos sonoros, etc.), como tem sido amplamente noticiado pela mídia. Essas são práticas ilegais, que ignoram o legítimo exercício do direito de manifestação política dos estudantes e são, por conseguinte, incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.
10. Por fim, convidamos os atores do sistema de justiça a promover uma atuação frente ao movimento de ocupação das escolas direcionada à mediação entre os interesses em conflito, estimulando e fomentando um espaço de diálogo entre os estudantes e o Poder Público, com o objetivo de viabilizar a pretensão de efetiva participação dos estudantes nas discussões políticas que afetam seus interesses neste grave momento de crise política e econômica vivenciado pela sociedade brasileira.

Pode-se e deve-se recorrer ainda a outro discurso do final de semana, desta feita, pronunciado no Vaticano, pelo Papa Francisco aos representantes dos Movimentos Sociais de 69 países, como divulgamos em Papa Francisco: “Austeridade não é sinônimo de ajuste”


Ali, com todas as palavras, de maneira clara, o Papa exorta os cidadãos, cristãos ou não, a ocuparem seus papel na história a favor da refundação da Democracia, tal e qual o Brasil anda necessitado.

“Vocês, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, são chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão passando por uma verdadeira crise. Não caiam na tentação da limitação que voz reduz a atores secundários, ou pior, a meros administradores da miséria existente”.

Avançando, o pontífice alerta a todos, o que vale também para os jovens que ocupam centenas de escolas Brasil à fora, na expectativa de serem ouvidos por este governo que só está no poder por conta de um golpe parlamentar/midiático:

“Neste tempo de paralisias, desorientação e propostas destrutivas, a participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um bem-estar egoístico e uma segurança ilusória”.
Sem conseguir acessar a inicial apresentada pelos dois procuradores do Rio em um plantão judiciário, recorro ao que escreveu a Agência Brasil em Reitor do Colégio Pedro II diz a juiz que busca solução pacífica para ocupação
“No documento, os procuradores Fábio Moraes de Aragão e Marcelo Paranhos de Oliveira Muller falam em “invasão de bens públicos”, “valendo-se de meios violentos e/ou grave ameaça” e omissão do Colégio Pedro II e da União em requerer a “utilização de força policial, independentemente de ordem judicial, para a retomada dos bens públicos invadidos”.

As ocupações são caracterizadas pelos procuradores como ilegais, declarando que se trata de “esbulho possessório”. 


O texto fala que menores não podem pernoitar sem autorização dos responsáveis e que duas mães de alunos do colégio relataram que há risco aos adolescentes pois ocorre uso de entorpecentes e estupro nas ocupações. O texto cita também o caso do homicídio ocorrido em uma ocupação no Paraná.

A petição pede a presença de oficiais de Justiça com auxílio de força policial “ao alvorecer” e a autorização para “uso moderado e progressivo da força para a retirada dos ocupantes”, inclusive com a prisão dos maiores de 18 anos que se recusarem a fazer a “desocupação voluntária” e a apreensão dos menores“. 

Alás, Aragão foi o mesmo que em outubro recorreu à reitoria mandando retirar as faixas “Fora Temer” que os alunos do Pedro II fixaram na fachada da escola. Outra medida pra lá de discutível.

Chamar de “esbulho possessório” o fato de os alunos de uma escola ocuparem suas salas de aula, nos parece forçar uma barra com uma tese bastante discutível. Falar em uso de drogas e práticas sexuais é realmente desconhecer a realidade destes jovens. Quisessem eles adotar tais praticas, o fariam independentemente de estarem ou não ocupando as escolas.

O que parece ainda mais grave é pedir o auxílio de força policial e prisão dos alunos maiores de 18 anos e apreensão dos menores. 

Certamente, nenhum destes dois procuradores participou de movimentos estudantis na sua época de bancos escolares. O que é uma pena, pois teriam aprendido a repeitar movimentos democráticos. 

A sorte é que tanto o juiz de plantão – Carlos Alexandre Benjamim -, que negou o exame do pedido de tutela antecipada por entender que o caso não se enquadra na urgência requerida para julgamento em dias de plantão judiciário, como o juiz titular da 17ª Vara Federal, Eugênio Rosa de Queiroz, para a qual o processo foi distribuído, foram mais comedidos. A ponto de o titular da 17ª Vara merecer elogios do reitor em sua nota oficial, como se verifica abaixo. 

Nota Oficial do Reitor do Colégio Pedro II 


Falta agora os procuradores entenderem, quer pela posição do juiz, quer pela brilhante nota do reitor, ou mesmo pelo que dizem seus colegas de Ministério Publico na nota do Movimento Transforma MP, que não é com força policial que se lida com movimentos democráticos. Mas, quem sabe, com diálogo. Aliás, não apenas os dois procuradores, mas o governo golpista também. Todos precisam passar por uma transformação. 


Postado em Marcelo Auler Repórter em 07/11/2016 





Faixa que o procurador Aragão mandou retirar 


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