Para envelhecer sem morrer aos poucos



Rebeca Bedone

O doutor atende seu paciente diabético em uma nova consulta. Se tem alguém que é a cara da esperança, é este senhor de idade avançada. Ele entra na sala com dificuldade, encurvado e apoiado em sua bengala, anda lentamente por causa da sequela do derrame cerebral, vira na direção do médico quando ele o chama, já que não enxerga há alguns anos, e sorri o sorriso da sua felicidade.

Certa vez, o mesmo médico se encontrou com outro idoso. Depois que o cumprimentou e perguntou como estava, o paciente respondeu “Vou levando a vida só”. Viúvo e sem parentes por perto, disse que ocupava seu tempo visitando os médicos, lendo o jornal, pagando as contas e recebendo a aposentadoria. Ia quase todos os dias à praça jogar Dama com outros aposentados solitários. Quando o doutor perguntou se ele estava triste, respondeu que não, pois já tinha realizado muita coisa boa na vida.

Fala-se que envelhecer é ir morrendo aos poucos. Conforme chega a velhice, as doenças aumentam e os músculos enfraquecem. Vai-se a memória e aparece a solidão. Doem articulações, o peito e a alma.

Rubem Alves disse: “Na velhice, o medo se vai porque não se tem mais nada a perder. A proximidade da morte nos dá um atributo dos deuses: nada de mais terrível nos pode ser feito”. Quando vemos idosos que carregam essa força dentro de si, acreditamos mesmo que envelhecer, e adquirir maturidade, nos torna mais corajosos.

Também aprendemos que mesmo as pessoas felizes têm momentos de solidão e saudades. E que os tristes também sabem encontrar a alegria. Descobrimos que manter dentro da gente algumas coisas que deixamos para trás não é sinônimo de sofrimento, como, também, pode ser uma forma de amar mais ainda aquilo que escolhemos.

“Não sei se foi a velhice que abriu os meus olhos ou se ela, a velhice, simplesmente me deu coragem para dizer o que eu sempre vira e não dissera, por medo”. Nosso poeta sabia mesmo que viver é um grande desafio. E nessa jornada estamos sempre em busca dessa coragem para mudar o que não está bom e para falar o que está preso na garganta. Atravessamos oceanos do dia a dia de tantos porquês, mas aí é que está a grande questão. Uma mudança maior só pode começar depois que mudemos por dentro. E só é possível mudar se quisermos.

Por causa de metas a cumprir e contas a pagar, muitas vezes deixamos de viver. O viver de verdade, e não só a rotina imposta e muitas vezes necessária — mas nem sempre insubstituível. Esquecemos que o tempo passa enquanto desejos e sonhos ficam sufocados. O corpo esmorece mais rápido se a alma adoecer primeiro.

Vamos! Temos muito a fazer. A vida não espera tanto assim, quando percebemos, lá se foram longos anos de dúvidas e escuridão.

Veja! Já brilhou a esperança no coração que aprendeu a falar a saudade. Nos olhos que dão valor às coisas que realmente importam. Na paz de envelhecer sem morrer aos poucos.

Ainda estou longe da velhice, comecei a descobrir o que é maturidade somente agora, e sei que ainda tenho muito que apender.

Mas acho curioso quando penso que estou mais perto dos 40 do que dos 30 anos, justamente porque não sinto que tenho essa idade. Sinto-me mais jovem do que antes. Quanto mais o tempo passa, mais coisas quero fazer. Preciso conhecer o mundo, escrever um livro, voltar a estudar piano, retomar os treinos de corrida e pintar os meus sonhos.

“A vida é boa. Longa vida é o que desejo para você e para mim.” (Rubem Alves).


Postado no Bula


Nenhum comentário:

Postar um comentário